quinta-feira, 8 de março de 2012

CAUSOS DA TERRA: O FRADE PASSEADOR.

                                 
Quem contava esta era o Juvenal dos Santos Terra, filho da Nhá Maximina Nogueira, quando proprietário de um armazém de secos e molhados num casarão situado na Rua Miguel Terra, bem onde hoje se localiza a Farmácia Mandrigo. 

Década de 20. Ou 30? 
Um dia chegou lá o pai do Zé Rolim, avô do Zé Antunes. 
Juvenal quis entabular conversa, mas não teve jeito. O homem estava com uma pressa danada. Parecia meio amedrontado. Seria medo da noite que se avizinhava?? 
- ‘É, Juvenal, vou embora logo, ando meio aperreado; soube pelo Zé Ferreira que, subindo dos lados da tapera onde vossas vacas dormem, tem um frade que também vara as noites por lá. Se aqui não existe frade nenhum, e só o Monsenhor Henrique cuida das ovelhas, então, o que será aquilo? Quer saber? Eu é que não quero descobrir. Eu, não. Não sou louco, homem!’ 
Juvenal não entendeu nada do assunto que o camarada assuntara. Mas como gostava de uma prosa por demais, andou passando a tal história do frade passeador pra frente. 
Mas que frade? E ainda mais um frade solitário! 
Um eremita em São Miguel? 
Algumas pessoas andaram mesmo vendo o tal frade. Diziam que era bem velho, capengava de uma perna e usava uma bengalinha de bambu. Algum tempo depois, sumiu daqui. Nunca mais ninguém viu o frade passeador. 
Deve ter dado uma hibernada. 
Pelos anos 60, veio morar na cidade um dentista chamado Nivaldo.Quase na mesma época em que o Miguel Terra Domenici, o Mi, também terminava o curso de Odontologia e recebia seu diploma. 
O Nivaldo arrumou seu gabinete na Rua Miguel Terra. Era amigo do José Caricatti, do Miguel Assunção, do Lucídio Machado, do Donato e do filho do Juvenal, o Miguel dos Santos Terra. 
O que esses amigos estranhavam na vida do Nivaldo é que toda vez que sua mulher viajava ou por alguma ocasião especial não dormia em casa, ele também dormia fora. Sozinho, bem de mansinho, chapéu colado à cabeça para não ser reconhecido ou confundido com algum caminhoneiro, lá ia o dentista dormir no Hotel Ipiranga. 
A desculpa? 
É que pros lados da casa dele havia muita escuridão e era muito longe. 
Com medo de ser chamado de ‘maricas’, ele um dia contou para os amigos que, estando certa vez na cozinha limpando um frango para fazer um virado e degustar com caipirinha, antes dos amigos chegarem,viu aquele homem parecido com um frade entrar na sua casa, pela porta da cozinha, passar reto pelo corredor diante dos quartos e, sorrindo, instalar-se na sala, onde minutos depois desapareceu. 
Não contou para a mulher, para não alarmá-la. Segundo o dentista, não foram duas e nem três vezes que o fato aconteceu. Foram mais. 
O amigo Miguel lembrou-se então da história contada pelo pai do Zé Rolim. 
Com certeza, a casa do Nivaldo ficava na antiga propriedade do velho Rolim. 
A propriedade é hoje do pessoal da Padaria Já-Pão. 
A Noêmia e o Otacílio moraram ali. 
Será que era a mesma casa? 
Se for, continua sendo a casa do frade passeador. 




CAUSOS DA TERRA: BARRACÃO ASSOMBRADO.


                                               

O Olímpio França era uma pessoa de muita coragem. 

Nos anos 70 era tido como um dos poucos cidadãos são-miguelenses que se atreviam a reivindicar melhorias para a cidade e assinar embaixo delas. 
Foi dono de um armazém na Rua Siqueira Campos. Justamente nessa época, começou a rolar por ali a conversa de que o barracão do pai do Miguel Machado, avô do João Machado, o das ervas, estava assombrado. Já não morava ninguém lá, desde que pegara fogo devido a uma vela acesa que caíra na mesa que servira de altar, logo depois que a família residente no local recebeu a visita de uma santa em peregrinação. 
Os Machado, nessa época, representavam em São Miguel o ‘Laboratório Catedral’ que também era dono dos cigarros ‘Catedral’. 
O barracão ficava na Rua Dr. Júlio Prestes. 
Foi então que a assombração no barracão começou a aguçar os neurônios do ‘seu’ Olímpio. Já não dormia direito só de pensar no tal ‘diabo’ que diziam viver por aqueles lados na parte baixa da cidade. 
Algumas pessoas tinham visto até os chifres dele. 
Durante a noite, ficavam tão grandes, que a sombra deles aparecia do outro lado do quarteirão. 
Não dava mais. 
‘Seu’ Olímpio esperou chegar aquela segunda-feira meio fria, as pessoas se recolhendo mais cedo com medo do minuano. Fechou o armazém, disse para a família que ia jogar um baralhinho no Clube e, pé ante pé, sozinho, de farolete na mão, lá foi o valente para os lados do barracão assombrado. 
Sabendo que havia um poço desativado no quintal, bem próximo ao barracão, procurou achá-lo com a luz do farolete. Foi quando então sentiu um arrepio dos pés aos cabelos da cabeça e o frio adormeceu a mão que alumiava a noite. 
Senhor do céu! 
Tinha alguém ali! 
Sentiu a respiração de alguém. 
Era dele? Não, não era dele, não. 
Recuar? Orar para Deus? É, orar para Deus Nosso Senhor. 
Respirou fundo, uma, duas vezes, tremendo. Quando ele divisou os chifres da ‘coisa’, o farolete lhe caiu das mãos. Atordoado, apalpou o mato. Um matagal danado! Percebeu que o ‘bicho’ abanava os chifres. Negro que nem carvão! 
Olímpio deu uma deitada no chão, meio amolecido, meio arrependido de não ter acreditado logo que era mesmo assombrado o barracão. 
Foi aí que a lua no céu se livrou de uma nuvem ondulada e Olímpio pode ver... 
Barbaridade! 
Era só o que faltava! 
Como cairam todos naquela armadilha? 
Era o bodão do Evangelino Marcelo dormindo em cima da laje. 
Mistério decifrado, no dia seguinte a cidade conheceria um novo herói. 
Mistério também a calça marrom do ‘seu’Olímpio que amanheceu já lavada, estendida no varal. 
Por que será?? 



CAUSOS DA TERRA: PISADAS DE SÃO TOMÉ.


                                          

Já localizadas no mundo todo e também no Brasil, principalmente em São Vicente, em Itapoá, em Itajuru, em Grojaú de Baixo, na maioria das vezes bordadas nas pedras, diversas pegadas que dizem ser de São Tomé que, após abraçar a religião cristã, andou pela terra, atravessando oceanos e florestas. 
Às vezes um par de pés completo, às vezes um pé só... 

Os indígenas que habitavam as margens do Rio Paranapanema já diziam que um tal de Pay Zomé predissera aos seus antepassados que toda aquela gentilidade haveria de um dia se estabelecer em povoados por obra de certos homens que levariam a cruz diante de si, o que afinal se realizou com a fundação de Santo Inácio e Loreto e alguns outros na região do Guairá, tal como descreve o escritor Sérgio Buarque de Holanda na sua obra intitulada ‘Visão do Paraiso’. 
Moradores antigos de bairros próximos ao Rio Taquaral e mesmo o Turvinho, localizados em São Miguel Arcanjo, ouviram dizer e até viram dessas pegadas nas pedras como em todos os lugares. 
Uma dessas pegadas encontra-se às margens da Cachoeira do Macaco Branco. 
Um pé só.Um pé grande. 
Está lá para quem quiser ver. 
Se não for de São Tomé, de quem terá sido?? 



CAUSOS DA TERRA: CADÊ OS PASSARINHOS?




Como bem lembra o João Diniz, com o tempo, até as aves se cansam de viver no mesmo lugar e partem em busca de outros ambientes um pouco mais alegres e coloridos. 

Prova disso, os ‘sem-fim’. 
São Miguel Arcanjo, algum tempo atrás, fora morada de uns passarinhos conhecidos por ‘sem-fim’. 
Geralmente de cor pardo-amarelada, eles apresentavam manchas escuras nas asas e um topete avermelhado. A garganta e o abdome eram brancos, as sobrancelhas da mesma cor e costumavam colocar seus ovos em ninhos de joão-teneném. 
Algumas pessoas chamavam esses passarinhos de piririguás, outras de fenféns, tempos-quentes...Todavia, ficaram bastante conhecidos como ‘sem-fim’, pois o seu canto era parecido com essa expressão. 
Embora muita gente ouvisse nitidamente eles gritarem ‘sem-fim’, outras juravam que não era nada disso e, sim, ‘sa-ci’ o que eles diziam. 
Sem-fim ou saci, qualquer que fosse o canto dessas aves, o certo é que já não se ouve mais por aqui. 
Conta o João Diniz que eles faziam a festa mesmo era no taquaral do Francisco Cavacini. 
- ‘Era tão bonito de ouvir!’ – suspira o João Diniz a cada vez que se lembra deles. 
Casadinho de novo, João morava longe, lá na saída para Pilar do Sul onde hoje reside a família Mendez que lhe paga aluguel. 
Trabalhando como ajudante na serraria do Wadi Hakim, muitas vezes voltava tarde para casa. 
Até que uma noite... 
Era uma sexta-feira. Mês de agosto. Teve festa na Vila e ele, como bom vicentino que era, pôs-se a auxiliar o pessoal da quermesse e depois na limpeza geral. Quando resolveu ir embora, era mais de onze e meia da noite. 
Acompanhado do Nicanor Monteiro, apelidado de Beronha, um cabra medroso pra mais de metro, lá foram os dois, pisando depressa pela estrada de terra. 
-‘ Ainda bem que não choveu!’ – asseverou o João. 
De repente, um barulho no mato. Passos. Corrida. 
O que? 
Pelo rabo dos olhos eles puderam ver: 
-‘Credo, Beronha, os cavalos do Cavacini pastando de noite?’. 
Noutro repente, uns assobios. 
- ‘Devem ser dos passarinhos, dos ‘sem-fim’, ou dos ‘sacis’. 
Mais assobios. E ali pertinho. 
Não, não eram de passarinhos. Pareciam assobios de verdade. O Beronha a ponto de desmaiar. 
O João? Nem sabia por onde andavam as calças, muito menos as pernas. Eta, macho! 
Nesse instante foi que os cavalos desembestaram. E os dois homens também. Não antes de verem, montado em cima de um deles, um vulto preto, pequeno, lascando fogo de um enorme cachimbão preso na boca. 
O Beronha só olhou para o João Diniz...este acabou encontrando as próprias pernas e ambos debandaram a correr mais do que os cavalos do Cavacini. 
Depois dessa noite, a mulher do João passou a ver o marido em casa antes da lua aparecer no céu. 
Sempre achou que era por amor.