terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

"SACI SAFADO"



Tempo ainda do fogão a lenha, e de fazer fogueira para esquentar-se no quintal.
Uma família numerosa e bastante nervosa morava nas imediações, agora, da Rodoviária "Bento França".
Bastava uma coisinha de nada, um errinho de nada, uma palavrinha mal colocada, e uma chuva de impropérios saía da boca deles.
Quem passava pela rua ouvia tudo e até se arrepiava dos cabelos às canelas e nucas.
Eram só palavras feias, conclamando o demônio e a desgraça.
Um parente bem que avisou que mais dia menos dia a tentação poderia ficar morando de vez com a família.
De nada adiantou.
Até que uma vez, altas horas da noite, bateram à porta.
Foram ver, não era ninguém.
Aquilo se foi repetindo.
Toda noite.
Com o tempo passando, até parecia que tinha gente estranha pela casa.
Ouviam-se risadas e mais risadas.
A dona da casa resolveu espreitar.
Sozinha, já que o marido roncava na cama, bêbado demais.
O que viu a deixou estarrecida: um saci entrava na cozinha, catava a panela com comida, depois, sentava-se na janela e comia e defecava na mesma panela.
E acabava devolvendo ao fogão a mesma panela de comida que a família comeria no dia seguinte!
Começaram, então, a fazer promessas para tudo que era santo, até para o Padre Donizetti.
Missas e mais missas foram rezadas, porém, inutilmente.
A família resolveu vender a casa e mudar-se para Apiaí.
A casa foi totalmente reformada, claro, mas, quem passa à noite por ali ainda ouve risadas e bater de panelas e de tampas.
Com certeza, o saci safado voltou para atazanar outra família que também gosta de chamar pelo capeta.
Crendospadre!
Nossa Senhora que proteja os vizinhos quando isso acontece!


in "Causos e Conformes", vol. 1, Editora Trombetti - de São Miguel Arcanjo.


"DEU SACI NA CIDADE"




Joaquim Ortiz de Camargo foi um grande maestro.
Quem o trouxe para São Miguel foi o Bento França, o homem das jardineiras, quando, junto com outros cidadãos, desejaram formar uma banda de música lira na cidade.
Aludido maestro foi professor do Renato Cauchioli, do Adib Miguel, do Haddad, do Rachid Elias, do Paulino Rodrigues e de muitos outros.
Chegou aqui no ano de 1.934 e, por mais de uma década, aos trancos e barrancos, permaneceu à frente da banda.
Às vezes, nem salário recebia.
Pois há sempre um dia, não há mesmo?
Era um dia de festa na casa do Narlir Miguel.
Umas três da tarde.
Aniversário da Angelina.
Muita cerveja, muito licor de jabuticaba.
E o maestro acabou bebendo um pouco mais da conta depois da apresentação de sua banda.
Mas valente, caminhou de volta para casa sem dificuldade nenhuma, só um pouquinho alegre.
Passando em frente à casa do Mateus Haddad, bem a par do muro, viu de repente uma boca escancarada de um negrinho que era um fogo só.
-Sai prá lá, Bebé, o que é isso?
Bebé era percussionista da banda.
Tocava prato.
Parente do Benedito de Souza, um rico comerciante e prefeito no final da década de 20.
Quem conheceu o Bebé sabia que ele era pai do Roquinho Preto.
Noutra esquina, e lá estava o Bebé de novo, pulando na frente do maestro que foi perdendo a paciência:
- Faça-me o favor, Bebé, pare com isso, pare de me amolar. Vá dormir, Bebé!
E outras vezes mais o Bebé lhe apareceu à frente, até que sumiu.
Cansado, o maestro foi para casa.
Vendo os filhos na sala, sentou-se um pouco ao lado deles.
A mulher veio logo trazendo café e bolinho de fubá, satisfeita por vê-lo já em casa.
De repente, o maestro pulou da cadeira, feito cera, engasgando-se com um bolinho, mais morto do que vivo.
A mulher assoprava seu nariz, erguia os braços dele, desesperada.
Foi então que ele conseguiu articular alguma coisa:
- Mulher do céu! Tem um saci na cidade e eu acabei de me encontrar com ele na rua.
Contou o sucedido.
E a mulher lhe deu razão!
Uma que o preto Bebé não era nenhum negrinho pequenininho, era até um negro bem forte e grandão.
E outra que, naquele dia, Bebé havia viajado para Sorocaba, resolver questão de família e só voltaria na outra semana.
Pedira até abono de faltas para o maestro!
Meio desconfiado, o maestro dirigiu-se de mansinho para o oratório da sala a fim de rezar para as almas do outro mundo.
Depois dessa!
Este relato contou com reminiscências de Gentil de Souza e João da Plaina.

in "Causos e Conformes", Editora Trombetti, de São Miguel Arcanjo.

Obs: João da Plaina tem mais de 90 anos de idade e mora em São Miguel.