sábado, 21 de dezembro de 2013

MAESTRO JOAQUIM ORTIZ DE CAMARGO

Sobre o maestro -  Joaquim Ortiz de Carvalho - escreveu o grande jornalista Lourenço Diaféria, na "Folha de São Paulo", edição de 13 de outubro de 1.979:

‘Joaquim Maestro’
Joaquim Maestro, sepultado no cemitério de São Miguel Arcanjo, vai ganhar placa: Rua Joaquim Maestro.
Joaquim Maestro dava aulas de trombone, bombardino, piston, clarineta, requinta, baixo-tuba, violão, contrabaixo, flautim e harmonia. Durante cinqüenta anos ele abriu, todos os dias, uma porta verde clara de uma sala de forro alto. Ali ele ensinava que o sol agudo tinha a cabeça vazia; que o lá agudo tinha um corte na cabeça; que o si tinha um corte na cabeça e no pescoço. As crianças, os moços e alguns velhos fracos de memória decoravam com facilidade.
Joaquim Maestro ensinava também para os sem dentes como soprar piston, trombone e bombardino sem derrubar a dentadura: Joaquim Maestro pendurava o instrumento no teto, amarrava-o com dois barbantes, um na campana, outro no bocal, pedia para o aluno colocar as mãos atrás do corpo e soprar. O instrumento balançava; o aluno acompanhava o balanço, tentava manter o bocal junto à boca, num terrível jogo de paciência. Depois de seis meses, o aluno tirava todos os sons diretamente da boca do estômago. E segurava a dentadura.
Outra lição inesquecível de Joaquim Maestro: tapar com cera de abelha os furos dos instrumentos. Antes, o pessoal costumava usar sabão de cinza, que derretia no calor. A cera de abelha era melhor; durava a procissão inteira.
Foi Joaquim Maestro também que conseguiu solar em seu bombardino mais de dezesseis compassos com o besouro grudado no seu rosto. Um besouro imenso, desses que frequentam ainda em vagos lugares, coretos do largo da matriz. Qualquer movimento para espantar o besouro derrubaria o solo de bombardino. Joaquim Maestro se aguentou, não teve nenhum deslize no solo, mesmo quando o besouro desceu perto de sua boca.
No coreto por onde Joaquim Maestro passou, desfilaram juntos Carlos Gomes, Verdi, Rossini. 
Joaquim Maestro conseguiu que, além dos dobrados, seus alunos chegassem à música clássica. 
E a banda, inesquecível e honrada banda de São Miguel Arcanjo, não tropicou nem caiu nenhuma vez.
Todos achavam, por exemplo, que era um milagre Bebé tocar pratos sem cansar. Bebé era um negrinho de um metro e sessenta, cinquenta e quatro quilos, único aluno de Joaquim Maestro que tocava de ouvido. Mas que ouvido! Nunca bateu o prato fora de hora. 
Bebé morreu no fim de uma procissão de São Miguel. Do coração. Hoje, dizem que faz milagres.
Joaquim Maestro tinha alma de índio. 
Era neto de índio. 
Nos domingos em que ia sair andor e estava ameaçando tempestade, Joaquim Maestro se antecipava, aparecia na frente da sede da corporação musical e, com movimentos das mãos, desviava as nuvens para Pilar do Sul. 
O pessoal de Pilar do Sul nunca soube disso. O fato está sendo revelado hoje pela primeira vez.
De lambujem, Joaquim Maestro ainda tinha o dom de conhecer todas as ervas que faziam as pessoas ficarem mais felizes de corpo e alma. 
Curava perna curta, espantava piolhos, baixava febre, tirava dor de dente, dor de barriga e tinha a receita do mais gostoso chá de beladona da região.
Joaquim Maestro foi uma dessas pessoas que morrem em silêncio, abrindo um compasso de saudade na partitura de nossas lembranças. 
No último desejo dele, pediu apenas lhe trouxessem o bocal do bombardino para segurar enquanto o padre pousava sobre sua fonte o sinal da esperança do sacramento da unção dos enfermos. 
O bocal do bombardino foi enterrado com Joaquim Maestro, que subiu ao céu e está sentado à direita do Pai, onde, desconfio eu, dirige a grande sinfônica das crianças que morrem cedo, por culpa do mundo que os homens desafinam.
Agora Joaquim Maestro, além da glória eterna, terá uma placa de rua na cidade de São Miguel Arcanjo.
E como é que eu sei disso?
Ora, se um cronista não souber essas coisas, ele não será digno de desatar os cadarços da botina do ascensorista do jornal.
Além disso, sou um senhor bem informado: meu amigo Miguel Terra, seguramente o maior sax que passou por esta redação, me deu a ficha. E me escreveu esta crônica.

"MINHA TERRA NO PASSADO"


Com saudades me lembro:
minha terra abençoada
era tão maravilhosa
como um reino de fadas.
Esta região querida
que me traz lembranças mil,
o reino da minha infância
e onde sempre vivi...
Na tranquilidade dos tempos,
quando tudo aqui sorria,
esta terra hospitaleira
era cheia de poesia.
E como era agradável
o ar puro das campinas
e dessedentar nos regatos
de águas puras, cristalinas,
e sentir das matas virgens
o cheiro agreste e sadio,
ouvindo tranqüilamente
o marulhinho dos rios...
E gravado em minha mente
o arrulhar da juriti,
a araponga estridente,
e o indiscreto bem te vi.
Passarinhos aos milhares
embelezando a floresta;
e correndo atrás dos vales
a fonte sempre em seresta,
a enorme queda d’água
caindo da ribanceira
e a água espumejando
nas pedras da cachoeira.
Nos ribeiros transparentes,
tartarugas e os peixinhos,
e nas correntes mais rasas
as inúmeras pedrinhas
brancas, pretas e esverdeadas,
cinzentas e amarelinhas...
A malacacheta doirada
e, entreabertas, as conchinhas.
As pitangas, as uvaias
e as gabirobas do campo
e amarelando os frutos
do araçazeiro, e que tanto!
Ingá, jataí, jabuticaba
e lindas cerejas silvestres,
amoras cor de esmeralda
e melanciinha campestre.
Baguaçu e palmitinho
e as castanhas já douradas...
Fartura por toda a parte,
tudo puro, sem custar nada.
Fabulosa a sertania!
Quanto tesouro ali guardado!
Onde qualquer um podia
desfrutá-lo...No passado!
Do palmeiral,o palmito
e toda a vegetação
e a caça que deu sustento
a muitos nesta região.
É pena que a ambição
e a ganância de hoje em dia
destruiu a natureza
e a riqueza que aqui havia.
Os arroios, os capoeirões,
peixes e aves de toda espécie,
pululava a caça miúda
e o mel de abelhinhas agrestes!
A operosa ‘mandassaia’
do mel claro, fino e limpinho.
E que importante o trabalho!
Cada favo em um potinho...
A anduri, a arapuá,
eram seus nomes assim,
a jandaia e entre outras
também a tuiu mirim.
E para as enfermidades,
as plantas medicinais
germinando em cada canto
nos campos, nos matagais;
o inhame para o sangue;
para tosse, o caraguatá,
cipó sumo, beririço;
e pro estômago, o pacova.
Hoje sempre eu me pergunto:
as coisas que aqui eu conheci
de belo e de importante
por que não anotei, não escrevi??
Como aquele jato d’água
fazendo o monjolo cantar
e também movido a água
o moinho a trabalhar;
enormes engenhos de cana
que davam tanta fartura,
açúcar de tacho e de forma,
o melado e a rapadura,
o gado grosso e miúdo...
Quanto alimento de graça:
leite, queijo, requeijão,
a manteiga e a coalhada.
Os córregos cheios de vida,
pequenos lagos tranquilos
onde à beira dos barrancos
as patas faziam seus ninhos.
No açude, dava até medo
dos feiosos jacarés.
E os enfeites das lagoas
lindas garças e paturés...
Elevando-se aqueles festões
nas florestas e nos cerrados,
a taquara que se utilizava
no trabalho do artesanato.
Balaios grandes e cestas
os covos e os jacás,
os cestinhos de costura,
peneira, sururuca e os apás,
lindos balainhos com tampa
a cores vivas e com listras.
A pessoa que os fabricava
era cem por cento artista.
E a seu tempo, nas planuras,
nos outeiros pouco elevados
a seara branquejando.
Era algodão por todo lado.
E nas quietas cercanias,
entre o verde matizado
até os arrozais se estendiam,
beirando o rio e banhados.
Minhas queridas campinas,
meus lindos bosques floridos,
em harmonia divina
o orvalho recém caído.
Quem dera ver a colina
banhada pelo luar;
também ouvir em surdina
o riachinho a cantar.
Ver os lindos beija flores
adejando pelos prados
e o sabiá entre as frondes
a soltar lindos trinados.
Ver o imenso descampado
nos arbustos tão brilhantes,
os besourinhos dourados
e as borboletas reinantes,
as açucenas vistosas
entre as florinhas do campo
e as guirlandas mimosas
entrelaçando os barrancos.
O esplendor da alvorada
em um dilúvio de cores
A festa da passarada...
Manhãs de canto e de flores,
a lua aclarando a serra
e a florada no sertão.
As belezas desta terra,
as riquezas deste rincão,
não mais florestas e vales,
encanto dos sonhos meus.
Beleza dos meus cantares,
rios e montes, adeus!

Maria Arantes Galvão Guimarães.

A autora nasceu em São Miguel Arcanjo no ano de 1915. 
Era filha de Leontino Arantes Galvão e Amélia Fogaça de Almeida Arantes Galvão e teve três filhos frutos do seu casamento com José Lima Guimarães: Lígia Maria, que se casou com Edward Rosa do Nascimento; José Antonio, que se casou com Maria da Graça Oliveira; e Antonio Carlos, que se casou com Inês Parente.

ARMANDO SALLES DE OLIVEIRA E O GRUPO ESCOLAR DE SÃO MIGUEL


Na sessão de 16 de junho de 1952, a Câmara Municipal de São Miguel Arcanjo prestou significativa homenagem à memória do eminente homem público, dr. Armando Salles de Oliveira, consignando em Ata um voto de saudade pelo transcurso do sétimo aniversário de sua morte.
Falando na ocasião, o senhor Aristeu Valio, da bancada da UDN, proferiu o seguinte discurso:
- "Causou-me viva impressão a atitude de deputados da Assembleia legislativa, verdadeiros cultores da Democracia em nosso Estado, ao apresentarem um projeto de lei, na sessão de 16 de maio, denominando de Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira à Cidade Universitária de São Paulo, em construção na Capital.
Bem merecida foi essa lembrança em homenagem ao paradigma da Democracia brasileira, o inesquecível dr. Armando Salles de Oliveira, o fundador da Universidade de São Paulo.
São Miguel Arcanjo também não pode deixar de prestar-lhe homenagem, porque os seus filhos receberam um grande benefício desse inolvidável vulto, que repousa a vida eterna junto ao Todo-Poderoso para glória de seus feitios aqui na terra.
Quando de seu período governamental, em 1936 mais ou menos, obteve a construção de seu almejado grupo escolar, derivado da verba para 12 grupos que seriam construídos em municípios paulistas.
Para esta obra, contribuíram também os drs. Oscar Machado de Almeida e seu irmão Elias Machado de Almeida, e os saudosos ex-Prefeito e ex-Presidente da Câmara Municipal, Edwirges Monteiro e Luiz Valio.
Minha impressão deteve-se também na forma democrática e patriótica da apresentação do projeto de lei acima referido, pois, num movimento apolítico e, talvez inédito, esse projeto e a respectiva justificativa receberam as assinaturas dos deputados pertencentes a todas as correntes partidárias.
Assim sendo, julgo que São Miguel Arcanjo também deve prestar homenagem à memória de Armando Salles de Oliveira, porque dele recebeu um grande benefício, cujos resultados se depreendem da sadia acomodação de nossos filhos no majestoso edifício do Grupo Escolar."
OBS: Trata-se do Grupo Escolar José Gomide de Castro.