sábado, 7 de maio de 2016

ERAM OS GARCIA E OS PINHEIRO DE SANTA CRUZ DOS MATOS JUDEUS MARRANOS?

Domingo, 29 de julho de 2012.
Santa Cruz dos Matos 
Autor: Orlando Leme Pinheiro

 
Não havia naquele povoado mais do que de 100 almas vivendo em casebre de barrote coberto de sapé, entre o Campo do Meio, a nascente do ribeirão da Laranja Azeda, a cerca de umas três léguas do povoado do Campo Largo, já no esgalho de quem rumava por trilha de tropeiros que usavam o mesmo caminho dos índios, os peaberus, no transito lerdo das mulas em meses de viagem entre a Vila de Sorocaba até o Rio Grande do Sul. A Vila de Sarapuí de Nossa Senhora das Dores era o pouso dessa gente. Ali eles armavam a trempe e desaguavam os animais para seguir viagem. O lugar antes era chamado de Nossa Senhora das Dores da Fazendinha. A possibilidade de terra nova para agricultura atraiu novos habitantes para a região e contribuiu para a criação da freguesia, em 28 de fevereiro de 1844, dentro do município de Itapetininga. A vila começou mesmo em 1832,no terreno doado pelo Capitão Luiz Vieira, proprietário de extensa área na região.

 
Inicialmente dedicados à pecuária rudimentar com vacas sem raça definida dando leite só para o sustento, os proprietários locais passaram a se dedicar à cultura de diversos produtos, principalmente algodão, consumido em larga escala em Sorocaba, onde se iniciava a indústria têxtil. Lavouras de algodão exigiram um braços fortes e pagava bem. Esse período, de maior progresso da povoação da Vila de Nossa Senhora das Dores possibilitou a criação do Distrito de Paz em 1844. Foi elevado a Município em 1872, com o nome de Sarapuí, palavra de origem indígena "çarapó-y", que significa rio dos sarapós, ou das pirambóias, espécie de peixes escorregadios de água doce. Novos escritores da história de Sarapuí, e autores desta geração passaram a traduzir o lugar por “Rio das Enguias”, peixe da América do Norte, o qual nada tem a ver com toponímia que deu nome ao lugar. Contudo a implantação da Estrada de Ferro Sorocabana, longe daquele núcleo urbano, provocou o êxodo maciço de sua população na busca de p frentes de desbravamento abertas pela ferrovia. A estrada de ferro pagava bem sem ter que arriscar a sorte com as intempéries e as pragas da broca que assolavam as plantações de algodão. O declínio econômico reduziu a Sarapuí à condição de Distrito. A categoria de vila foi restaurada quatro anos depois, mais por força da política do que pelo progresso. O Distrito de Sarapuí foi criado pela Lei Provincial nº 22, de 28 de fevereiro de 1844. Subiu a categoria de vila por força da Lei Provincial nº 11, de 13 de março de 1872, quando foi desmembrada do Município de Itapetininga constituído sede de Distrito de Paz. Sarapui tornou-se cidade pela Lei Estadual n.º 1038, de 19 de dezembro de 1906. Na divisão administrativa do Brasil referente ao ano de 1911, o Município de Sarapuí se compunha de 1 único Distrito: Sarapuí, assim permanecendo sua divisão administrativa até o ano de 1933. De resto era campo e mata fechada por onde ninguém se aventurava com medo de onça ou vara de porcos do mato. Só mesmo alguns caçadores municiados muito cartucho, carabina bem azeitada e providos de cachorrama esperta penetravam nas brenhas da mata virgem à caça de bugio ou caititus (tatetos). Pouco acima da aguada que vai desembocar no Ribeirão da Laranja Azeda, a família de Manuel Mariano devota de São José da Sagrada Família e Nossa Senhora do desterro construíram um orago de pau a pique e entronizaram nele a imagem da Sagrada Família, enfeitada de flores de papel crepom. Provavelmente essa entronização tenha se dado num dia 19 de março de um ano que se perdeu no tempo, antes de 1836. Era uma capela muito pequena e nela praticamente só adentrava o capelão, enquanto os fieis permaneciam ouvindo do lado de fora. Provavelmente essa família Mariano tenha chegado naquelas cercanias em busca do fino pó amarelo, metálico e brilhante que se esparramava pelas veias dos rios mostrando-se reluzente à luz do dia. Tanto que já havia noutra paragem, não muito longe dali, uma pequena lavra, possivelmente explorada pela mesma gente da família dos Marianos, os quais em dias incertos seguiam para essa lavrinha, batear para conseguir um pequeno seixo que fosse. Essa região fazia parte do 12° Quarteirão da Vila de Nossa Senhora dos Prazeres de Itapetininga, conforme pode se verificar no arquivo do Estado de São Paulo na Caixa de Ofícios Diversos, dos anos de 1836 a 1841 no número de arquivo 1042. A capela dos Marianos ficava à uma distância de pouco mais de uma légua e meia do caminho das tropas que descia no rumo do bairro de São Miguel do Turvo, cortando os campos da família Ayres adquiridos pela matriarca da família, Izabel Nunes Vieira, conhecida por “Mãe do Céu” devido sua extrema bondade e gestos caritativos. Era esposa do capitão-mor Salvador de Oliveira Ayres, filho Tenente - coronel Paulino Ayres de Aguirre e Anna Maria de Oliveira Leme, nascido no dia 17 de novembro de 1793 na Vila de Nossa Senhora dos Prazeres de Itapetininga. Em 1816, o coronel Paulino Ayres de Aguirre, pouco antes de sua morte adquiriu uma gleba, após o pouso do de tropeiro do Barro Branco, o qual ficou conhecido como “campo dos Ayres”. Esse terreno foi largamente explorado pelos seus descendentes nos anos que se seguiram após sua morte. Em dois de Julho de 1820 Izabel Nunes Vieira, “Mãe do Céu”, doou um pedaço de terra à Rosa Martinho, viúva de um escravo de nome Inácio, em documento passado e assinado à rogo por seu filho Gabriel Ayres, conforme consta no Cartório de Registros e Protestos de Itapetininga.

 
Era o caminho da Lavrinha que o povo usava para descer em romaria até a cidade de Iguape. Tempos depois, os Marianos e seus trabalhadores abriram outra estrada para encurtar distância passando pela Lavrinha abandonada porque gente aventureira havia extraído até o último cascalho. Os bateadores abandonaram o lugar depois de terem bamburrado até não poder mais, naquele veio fraco, quase exposto à flor d’água. Colocaram na beira da estrada] para devoção dos caminhantes que passavam por ali rumo ao bairro de São Miguel do Turvo, um oratório com uma imagem de São Roque feita em barro cozido. Era o São Roque da Lavrinha. E por Lavrinha ficou sendo chamado aquele lugar, tendo São Roque como padroeiro. Por esse novo rumo feito à enxada e enxadões, em menos de meia jornada o romeiro já se via atravessando o pequeno arraial de São Miguel do Turvo em direção ao Perovais, carregando matula de paçoca, mulher e criança, descendo com sacrifício a Serra da Queimada, sempre coberta por uma garoa fina e persistente. Eram dias de marcha batida serra abaixo, sempre seguindo um guia que ia à frente munido de facão e foice para reabrir o caminho engolido pelo mato engolia por falta de uso constante. Depois vinha o Rio Ouro Fino, o Rio Verde e com mais um pouco de marcha, surgia o Assungui pedregoso já bem próximo à Vila Santo Antonio de Juquiá. Somente classe mais abastada possuía negros cativos. A partir de 1831 cessou o trafico de negros da África por imposição da Inglaterra. Nos arredores da capela de São José da Sagrada família havia escravo somente no campo dos Ayres onde a agricultura era extensa exigia inúmeros braços, principalmente o algodão e o trigo. Nas fazendas a partir do século XVIII, os negros eram tratados da pior forma possível. Trabalhavam muito, recebendo apenas trapos de roupa e uma alimentação de péssima qualidade. Passavam as noites nas senzalas (galpões escuros, úmidos e sem higiene), acorrentados para evitar fugas. Eram constantemente castigados fisicamente, sendo que o açoite com chicote ou chibata a punição mais comum. Entretanto, por sua índole bondosa e caritativa, a matriarca dos Ayres, Izabel Nunes Vieira, a “Mãe do Céu”, deixou em testamento para que os negros de sua fazenda e os descendentes destes fossem tratados de forma humana seguindo os preceitos cristãos.

 
Ao leste havia terras devolutas que principiavam à margem do Rio Pinhal. O Rio Pinhal nasce em Pilar do Sul e desce até se encontrar com o Rio Sarapuí para desembocar no Rio Itapetininga. A formação de um arraial rente à capela de São José começa a ser contada a partir de 1850 por tropeiros em busca de rota mais curta para a feira de muares de Sorocaba. Alguns mineradores em busca de metais preciosos ainda vasculhavam as nascente dos rios e isso provavelmente tenha instigado tanta gente, entre os quais tenente Urias Emygdio Nogueira de Barros, minerador de famílias procedentes de Airuoca e Baependi (MG). Tropeiros começaram a utilizar o lugarejo pouco conhecido para descanso até alcançar a Vila de Nossa Senhora das Dores de Sarapuí seguindo pelo caminho do Campo Largo, passando obrigatoriamente pela capela de São José da Sagrada Família. O próprio tenente Urias Emygdio Nogueira de Barros, a quem atribuem a fundação doe São Miguel Arcanjo, e em 1837 entusiasmou-se com a plantação de trigo, e por isso, comprou um terreno de campos, faxinais e capoeiras junto do Ribeirão da Laranja Azeda. Foi o seu primeiro investimento na região. Divisava em terras, com outro plantador de trigo que ali construiu sua morada, Joaquim Pinto de Castilho e Mello e sua esposa dona Ana Castilho de Mello, ambos procedentes da Freguesia de Nossa Senhora do Desterro do Capivari. PINHEIROS DE PORTUGAL A presença judia na Península Ibérica é de remotíssima memória. Já se referia a ela o Concílio de Orleans, realizado no ano de 538, e o de Toledo, em 633. Por essa época, os judeus ostentavam nomes e sobrenomes hebraicos. Mais tarde, com a ocupação muçulmana, a antroponímia judia também assimilou essa influência, aparecendo nomes de sonoridade árabe, ao lado dos puramente hebraicos e espanhóis. Em 1492, os Reis Fernando e Isabel de Castela, conhecidos como Reis Católicos, decretaram a expulsão dos judeus da Espanha. Em razão disso, cerca de cento e vinte mil pessoas foram buscar refúgio em Portugal e, nessa mudança, levaram consigo sobrenomes árabes, hebraicos e espanhóis, além dos nomes de família representados por topônimos. O crescimento da comunidade judaica em Portugal não agradou aos Reis Católicos que eram sogros do rei português e passaram a exercer pressão política sobre D. Manuel, conhecido como “O Venturoso” para que este também expulsasse os semitas do território lusitano. Em 1496, D. Manuel I decretou a expulsão dos judeus de Portugal, oferecendo, contudo, a oportunidade de permanecerem no país, mediante conversão ao catolicismo. Essa conversão, através do batismo, exigia nomes cristãos e, via de regra, o converso assumia nome e sobrenome tipicamente portugueses. Muitos mantinham, reservadamente, seus nomes originais, pois grande parte das conversões eram apenas de fachada, preservando a fé na lei mosaica na intimidade da família. Com o estabelecimento do Tribunal da Inquisição, em 1536, iniciou-se um caçada aos cristãos-novos. O escopo do Santo Ofício era expungir da sociedade os "infectos de sangue" (árabes, negros, mulatos, judeus e ciganos) e os de conduta reprovável (feiticeiros, adúlteros e sodômicos).Ocorre que a comunidade judia era a de número significativo, sempre espionada pelo anti-semitismo popular que lhes imputavam à imagem de assassinos de Cristo, passando, portanto, a sofrer maior perseguição. Nas listas de processados pelo Santo Ofício, por serem judeus ou cristãos-novos, encontram-se milhares de nomes e sobrenomes genuinamente portugueses, causando estranheza o fato de nomes hebraicos raramente sejam mencionados. Analisando essas listas, nota-se que qualquer sobrenome português poderá ter sido, em algum tempo ou lugar, usado por um judeu ou cristão-novo. Não escaparam ao uso sobrenomes bem cristãos, tais como “dos Santos”, “de Jesus”, “Santiago” e outros. Certos sobrenomes, porém, aparecem com maior frequência, tais como “Mendes”, “Pinheiro”, “Cardoso”, “Paredes”, “Costa”, "Pereira", "Henriques", “Leme” e outros. O sobrenome de maior incidência, no entanto, foi o “Rodrigues”. Alguns documentos ainda mantêm registrados os nome originais dos judeus que, ao serem batizados, assumiram nomes tipicamente portugueses. Eis alguns exemplos: Manoel Pedreira, Pedro Ribeiro, Delfino Pereira, Joaquim Pinheiro. A mudança de nome foi mais ou menos assim: Luna Abravanel- Leonor Fernandes, Salomão ben Haim- Luís Álvares, Salomão Coleiria - Gonçalo Rodrigues,Salomão Molcho- Diogo Pires e Mosach Ben Garel- Manoel Pinheiro. As terras desde Abreiro em Trás os Montes eram na sua maioria dos Pinheiros. Por lá ainda existem muitos detentores do apelido Pinheiro. Apelido porque não era o verdadeiro nome. Não se tem conhecimento de que exixtiam brasões no portal das casas dos Pinheiros em Portugal. A família Pinheiro teve a sua origem em 1655, segundo documentos existentes na Torre do Tombo. Um fidalgo de Trás-os-Montes, de Vila Real, senhor de vastas propriedades tinha a sua residência nas terras chamadas “do Engenho”, talvez pelo engenho ainda ali existente há quatro séculos.Numa apurada investigação em torno da família, descobriu-se que o fidalgo da Vila Real abrigou em suas terras de Abreiro cristãos-novos Pinheiro estabelecidos em Bragança nos finais do século XV. Esse fidalgo possuia um elevado número de casas com relevância na cidade e na região as quais foram compradas pelos cristãos novos por ele acolhidos. Esta obra genealógica é de grande relevância histórica e social para o estudo do percurso dos cristãos-novos transmontanos e da sua inserção social e cultural na sociedade Portuguesa. Ela abrange um grande número de personalidades e ramos familiares.

Os Pinheiro ao qual se refere este trabalho, embora assentados na região de Itapetininga, não tem ligação com os Pinheiro Machado, em cuja família nasceu a primeira aviadora brasileira Anézia Pinheiro Machado. A linhagem ora pesquisada se fixou à margem esquerda do Rio Itapetininga, em lugar muito próximo à Chapada Grande na rota de um peabim em data que se perdeu no tempo. Vieram do reino liderados por um tal de Pedro Alfonso Pinheiro de vasta prole, descendente de um tal de Manoel Pinheiro da região do Minho. Em suas práticas matrimoniais, os portugueses no Brasil nos séculos XIX e XX mostraram-se particularmente inclinados para a endogamia, quando comparados a outros imigrantes europeus. Dos homens e mulheres portugueses que casaram no período de dez anos, 51% dos homens casaram com mulheres portuguesas, uma percentagem mais elevada do que a dos espanhóis (50% e 47% dos quais, respectivamente, casaram com mulheres originárias do seu país). 84% das portuguesas casaram com homens portugueses, 52% das mulheres espanholas que casaram com homens da sua nacionalidade. Essa alta endogamia acontecia mesmo sendo o número de mulheres portuguesas bem mais baixo do que o número de homens. Tal endogamia pode ser explicada pela pobreza inicial desses portugueses, gerando desprezo da população brasileira, o que afastava as possibilidades de casamento entre os dois grupos. No decorrer do século XX, essa endogamia caiu e o casamento envolvendo um cônjuge português e o outro brasileiro cresceu gradualmente, passando então a predominar a miscigenação de raças.

MARRANOS CABOCLOS De modo pejorativo, difundiu-se a idéia de que o termo marrano, que em espanhol hoje significa “porco” e demonstrava o sentido ofensivo do termo na sua origem, o qual se espalhou pela Península Ibérica para designar os judeus. Investigações científicas mais recentes da Etnologia e da Linguística demonstram que o termo “marrano” provêm mesmo do hebraico e quer dizer “transformado/convertido à força”, tendo sido adaptada pela comunidade judaica para referir nos séculos XV, XVI, XVII, XVIII e XIX de uma forma geral, os judeus ibéricos, descendentes da Tribo de Judá: a realeza do Judaísmo, de onde descenderia o Messias. Se todos os Marranos eram Cristão-Novos, o oposto não é necessariamente verdade: nem todos os Cristãos-Novos eram marranos. Dentro do termo cristão-novo incluía também os muçulmanos que tinham sido convertidos. “Marrano” é o nome pejorativo dado também aos judeus portugueses após as conversões ao catolicismo. De acordo com a história, os marranos portugueses teriam adotado sobrenomes de árvores, de parte da natureza como rio, ribeiro e de animais na ocasião do batismo cristão. Pesquisadores da USP analisaram os nomes e sobrenomes contidos nos processos da Inquisição Portuguesa. Com base nos arquivos inquisitoriais chegaram à conclusão de que no Brasil a maioria dos sobrenomes marranos foram copiados de antigas famílias da aristocracia portuguesa. Praticamente todos os sobrenomes marranos repetem os sobrenomes de famílias portuguesas que têm brasões de armas. Esse fato faz com que algumas pessoas acreditem ser descendentes das nobrezas lusitana ou espanhola por causa do brasão de armas, o que nem sempre é verdade. Esses marranos, na maioria das vezes, estavam sob proteção de alguns aristocratas e usavam o sobrenome destes. Os marranos brasileiros carregavam simultaneamente dois ou três sobrenomes, por exemplo: Izaltino Leme Pinheiro, ou Maria (Miriam/ no hebraico) Nazaré (Neshar-broto/hebraico) Dominguez(marrano espanhol) Leme Pinheiro(marrano português), Carolina Domingues Pinheiro Calvo. O primeiro nome, Carolina é um termo ladino, sobre o qual falaremos posteriormente. Membros de uma mesma família freqüentemente usavam sobrenomes totalmente diferentes. Depois de duas ou três gerações, nós com freqüência achamos cristãos-novos adotando novamente os sobrenomes dos seus avós. Os sobrenomes marranos são exatamente os mesmos sobrenomes usados por cristãos-velhos. Marranos que moravam na Holanda e imigraram para o Brasil (os mesmos que foram expulsos de Pernambuco e fundaram New York), retornaram ao Judaísmo e a maioria adotou os primeiros nomes hebraicos. Boa parte da população rural tem em suas veias o sangue do povo hebreu. E até 1821, quando terminou a inquisição no Brasil, muitos portugueses e espanhóis ainda se consideravam como desterrados. Cristãos novos, marranos ou cripto judeu ao passar dos anos perderam a origem semita à força para evitar ser alvo das investidas da igreja. O fervor católico das pessoas da zona rural até meados do século passado estava eivado do medo daquilo que foi predito pela inquisição, a qual passou a se chamar Congregação para Doutrina da Fé. Com o crescimento do protestantismo, a Congregação determinou nesse período, o domínio do tribunal para além dos suspeitos de judaísmo: inserindo também os cristãos-velhos no rol de condenados. A Inquisição assumira as inquietações da Contra-Reforma com o avanço protestante e a tentativa de disciplinar o clero e os fiéis. O crime de heresia passa a incorporar os desvios da fé. Costumes, comportamentos, morais e sexuais, que contrariavam a ortodoxia da religião cristã era o novo alvo da igreja. Afirmar que não havia pecado na fornicação, contestar a existência do purgatório, seguir a “seita de Lutero”, a prática da sodomia, a bigamia, a blasfêmia, a feitiçaria e o pacto com o diabo, ou mesmo contestar a pureza da Virgem Maria, a virtude dos Santos e da Santíssima Trindade eram “crimes” passíveis de serem julgados pelos inquisidores. Foram instaurados processos contra bígamos, feiticeiras, blasfemos e sodomitas, com a prisão e esqueceram a perseguição aos cristãos novos. SEFARDITAS CAIPIRAS A língua judeu-espanhola se desenvolveu por vários séculos separada por completo da mãe pátria (Sefarad, Península Ibérica), com a qual não conservou mais que escassos e esporádicos contatos. Foi a língua dos judeus sefarditas nas cidades da Europa oriental (Bósnia, Sérvia, Macedônia, Grécia, Bulgária, Romênia e Turquia) onde viviam alguns milhares, descendentes dos judeus espanhóis expulsos da Espanha em 1492, e de Portugal logo depois. Alguns encontraram asilo no Império Turco. Contudo, a maioria desses judeus era mesmo procedente de terras de Espanha. Estes judeus (muitos morreram durante a Segunda Guerra Mundial, como conseqüência das perseguições nazistas), tem conservado até hoje sua língua, que a despeito das múltiplas inovações devido sobretudo à forte influência dos povos junto aos quais habitaram, corresponde admiravelmente ao espanhol do período clássico (como a conservação da letra f, da distinção entre a s surda e sonora e entre a z surda e sonora, e a conservação do valor sh para x e j). O dialeto judeu-espanhol, especialmente aquele usado nos livros religiosos, é conhecido também como ladino(latino), significando o verbo enladinar “traduzir ao espanhol” (especialmente textos hebreus e árabes). O fato é que no Cantar de El Cid, o campeador após a batalha em Alhambra é falado numa liguagem de um mouro latinizado testemunha que naquele tempo, ladino queria dizer espanhol, em oposição ao árabe e a outras línguas estrangeiras. Restam seqüelas disto, assim mesmo, nos vários sentidos especiais assumidos pela palavra ‘’ladino’’ nas Américas Central e do Sul.Uma das grandes obras dos judeus sefarditas foi a tradução do Antigo Testamento conhecida como Bíblia de Ferrara, editada por Jerónimo de Vargas e Duarte Pinel, espanhol e português respectivamente, em 1553 na cidade italiana de Ferrara. Até o século XIX, se seguiu a inviolável tradição de se escrever o judeu-espanhol com um tipo de alfabeto hebreu (caracteres rashi), mas, a partir desta data, começou-se a incorporar à escrita o alfabeto latino, fazendo uso dos princípios de correspondência som-letra baseados na prática ortográfica francesa. Logo no início do século XX, manteve-se a publicação em judeu-espanhol de livros, revistas e jornais, mas na atualidade esta tradição já desapareceu quase por completo Os Sefarditas (do hebraico Sefardim, no singular Sefardi) são todos os Judeus provenientes da Península Ibérica (Sefarad). Tais Povos por muitos séculos foram perseguidos durante o período da Inquisição Católica. Por este motivo, fugiram para países como Holanda e Reino Unido; além dos países do Norte da África e da América como: Brasil, Argentina, México e EUA. Desse modo, tiveram de seguir suas tradições secretamente ou até mesmo abrir mãos das Tradições do Judaísmo, tudo pela própria sobrevivência. A partir de 1824, o movimento dos Judeus (Sefarditas ou Marranos), passa por um período de “assimilação profunda”, isto é, inicia-se uma fase de parcial esquecimento de suas Tradições, devido a séculos de repressão e pelo contato direto e extensivo com uma cultura etnocêntrica, que mesmo os aceitando perante as leis, tratavam-os com desprezo e repressão. A solução mesmo, partiu do pressuposto do esquecimento e sectarismo, o que permitiu com que várias gerações crescessem sem ter uma real noção de suas legitimas raízes. Desse modo, estima-se que no Brasil, vivam cerca de um décimo (1/10) ou até mesmo 35 milhões de Judeus Sefarditas, entre eles os Judeus Asquenazitas (provinientes da Europa Central e Oriental). GARCIA DA ESPANHA Garcia (em português) ou García (em castelhano) é um apelido de família e ibérico de origem patronímica. Tem origem no prenome pré-romano Garcia, atualmente em desuso.Sua etimologia é obscura e originou muitas controvérsias entre especialistas.Duas hipóteses possíveis se assentam na língua basca: kartze-a ("o urso") ou gartzea ("o jovem"), equivalente ao atual adjetivo basco gazte(a). Possui muitas variações, entre elas Garce, Garcey, Garcés, Garcez, Garcíaz, Garsía, Garseso, Carcía, hogar sea –mistura do espanhol com o ingles dos irlandeses que atravessaram o Canal da Mancha até a Espanha basca. Outros estudos revelam a possibilidade de Gracia, um apelido se transmutar num nome próprio com o passar dos anos. Na Espanha é, com larga vantagem, o sobrenome mais comum, como mais de 5% da população do país que o portam como primeiro ou segundo apelido. O termo usado “apelido” e a forma como os judeus sentiam seus nomes novos. Os Garcia da região da Vila de Nossa Senhora dos Prazeres de Itapetininga tem origem no casamento de João Garcia Pinheiro e Maria Leal, durante a imigração espanhola. Essa união matrimonial gerou Pedro Garcia, Manolo Garcia e Germano Garcia, registrado na imigração com o ome brasileiro de Germano Antonio da Costa. Entretanto este nunca usou o nome que a imigração lhe deu sem explicar as razões, primeiro sendo analfabeto não tinha como escrever o nome que lhe deram e segundo, para não renegar o nome de cepa. Em documentos dos seus filhos observa-se por exemplo: “José Garcia, filho de Germano Antonio da Costa”. Germano, ao chegar no Brasil, desposou Cândida Maria, filha de Joaquim Leme Pinheiro e de Maria dos Santos, descendente de família portuguesa do Minho e Trás os Montes e por parte da mãe, Maria dos Santos da família Leme dos Santos, junção de duas genealogias diferentes. Os Leme, cujo significado é argila e que vieram da Ilha da Madeira. A familia Santos também era oriunda da Espanha descendentes dos Sierra Santos que vieram para a colonização do ao Brasil. Foi Duarte da Costa quem trouxe o padre José de Anchieta e o padre Manoel da Nóbrega e dezenas de orfãs donzelas para servir de esposa aos portugueses que reclamavam a falta de mulheres brancas. Joaquim Leme Pinheiro era filho do português Manoel Pinheiro. Foi um tal Antonio Leme Pinheiro, o qual se casou com Ana Francisca na aldeia de Alto D’Ouro que veio para o Brasil trazendo pelas mãos o menino Joaquim Leme Pinheiro como aio da esposa. Joaquim se casaria mais tarde com Anna Francisca, uma a prima brasileira. Joaquim teve inúmeros filhos e filhas, sendo mais velho João Leme Pinheiro que em 10 de agosto 1875 casou-se na na igreja de Nossa Senhora dos Prazeres com Brandina Maria, filha de José Antonio da Costa, do qual falavam ser descendente de D. Duarte da Costa, fidalgo membro do Conselho Real Português. Outros filhos de Joaquim foram Felício, Salvador, Pedro, Delfino, José, Isidoro, Belarmino, Cândida Maria.Teodora, Maria José, Placidina e Porfíria. Ao que consta, nenhuma das famílias aqui descrita possuiam brasão de armas. Só tinham para si, o sol por bandeira e a enxada por espada. Na várzea do rio Itapetininga, num arraial próximo onde hoje é a Chapada Grande viviam agregados nas fazendas de algodão, trigo, café, executavam de forma rudimentar a cultura de manutenção, plantando o milho, feijão e a mandioca para o próprio sustento. Assim como o tabaco para comércio. O tabaco foi a cultura dos Pinheiro que varou gerações. Foi nessa época que eles ouviram falar das terras de ninguém que principiavam na beira do Rio Pinhal e se estendia até o Ribeirão da Laranja Azeda. Havia poucos confrontates, tal como o tenente Urias Emygdio Nogueira de Barros, Manoel Mariano, coronel Joaquim Pinto de Castilho e Mello, os herdeiros do capitão Salvador de Oliveira Ayres e de sua mulher Izabel Nunes Viera, a “Mãe do Céu” e os Carriel, descendentes de Benitez e Sinezio Carriel, gente marrana vinda da região de Toledo. Diziam-se de origem cigana pelo fato de Carriel ser apelido dado aos que carregavam bolsa grande de couro. Fazia já alguns anos que eles estavam naquela sesmaria que os tropeiros chamavam de sertãozinho por causa da mata cerrada. A partir do momento em que chegaram ao Brasil os Carriel tornaram-se donatários daquela posse. A distribuição de terras a sesmeiros, ou seja, dono de uma sesmarias, passou a ser uma prioridade, pois a sesmaria garantia o desenvolvimento do país. A principal função desse sistema era de estimular a produção agro-pecuária. Isso era patente no estatuto jurídico. Quando o titular da propriedade não iniciava a produção dentro dos prazos estabelecidos, seu direito de posse poderia ser cassado. E assim seguiu aquela gente numa peregrinação até as margens do Rio Pinhal a procura das terras devolutas. Com a descoberta do Brasil, todo o território passou a integrar o domínio da Coroa Portuguesa. Destas terras, largos tratos foram trespassados aos colonizadores, mediante as chamadas concessões de semarias e cartas de data, com a obrigação, aos donatários, de medi-las, demarcá-las e cultivá-las, sob pena de comisso (reversão das terras à Coroa) . As terras que não foram trespassadas, assim como as que caíram em comisso, se não ingressaram no domínio privado por algum título legítimo e não receberam destinação pública, constituíram em terras devolutas que, com a independência do Brasil, passaram a integrar o domínio imobiliário do Estado brasileiro. Na busca de sonho e terra nova, cansados de trabalhar por muito pouco, os Pinheiro e os Garcia seguiram em marcha à terra prometida. Haveriam de fincar naquele pedaço de chão o coração como bandeira. Nessa miscigenação de gente e de sonhos, surgia uma nova geração, cujos descendentes, eram os mesmos filhos de Abraão e neste pais tropical haveriam de se multiplicar como as estrelas do céu e a areia da praia. Com o passar do tempo, ninguém mais lembrava do patriarca dos hebreus e da promessa feita por Yavé. Havia apenas o desejo de juntar com as mãos aquilo que a vida lhes desse. Vida de pobre, por certo, mas teriam a certeza de que poderiam correr em plena liberdade pelos campos verdes festejando a colheita num tempo sem medo da perseguição dos padres e pisando firme num chão que era deles, onde jorraria o leite e o mel. Permaneceu agregado por uns tempos no sertãozinho dos Carriel um pequeno grupo fazendo vida na lavoura. Um grupo de vinte pessoas entre Pinheiro e Garcia, muitos deles vivendo ajuntados por falta de um padre. Um “cura” como diziam os espanhóis: “No hay cura pero que nos otros somos marranos”. Essas duas dezenas de pessoas seguiram o rumo do caminho das tropas, a mesma que seguia o roteiro do caminho dos índios, há muito tempo abandonado, na direção do Rio Pinhal. Já se sabia que mineradores vindos de São João Del Rey bateavam na cabeceira do rio e até havia formado um arraial sob a proteção de Nossa Senhora do Pilar, o qual veio mais tarde chamar-se arraial do Pilar do Sul. *** O tenente Urias Emygdio Nogueira de Barros assinava com o Império a abertura de uma estrada ligando as margens do Rio Itapetininga com as margens do Rio Juquiá. Por isso deixava a gleba da Laranja Azeda onde junto com o Coronel Joaquim Pinto de Castilho e Melo se projetaram como plantadores de trigo da melhor qualidade, ganhando cada um deles o premio 2000$000 (dois contos de réis) pelo volume de 100 alqueires. O alqueire correspondia a 13,8 litros, pois mediam cereais por volume e não por peso. A verdadeira intenção de Urias era descobrir ouro, tanto quanto os mineiros de São João Del Rey que se aventuravam nas nascentes dos rios do Pilar. Quando o tenente saiu da Laranja Azeda avistou o bairro de São Miguel do Turvo. O arraial estava em decadência. Os poucos moradores chamavam ironicamente o lugar de Fazenda Velha de São Miguel Arcanjo. Observando aquelas terras e já avistando ao fundo o paredão de pedra da Serra da Paranapiacaba a qual ele tinha de desbravar, decidiu negociar aquele latifúndio por pouco preço. Em 1837, o coronel Nogueirinha com seus irmãos José e Manuel Nogueira, passaram a escritura pública da venda da Fazenda Velha de São Miguel Arcanjo, registrada na paróquia de Nossa Senhora dos Prazeres de Itapetininga, por falta de um tabelião. Não há registro de que os Nogueiras que venderam a Fazenda Velha ao tenente Urias seriam parentes do mesmo. Urias com sua vasta prole, resultado de dois casamentos fixaram residência à margem do Rio Lageado onde se construiu a Casa Grande. O moinho e a Senzala ficavam nas proximidades do ribeirão Guarupu. Foi dali do Lageado que emanaram todas as ordens para a construção da estrada,assim como as aventuras e bravatas em busca de ouro nas nascentes do Rio Verde e no Rio de Ouro. *** A capela de Manuel Mariano nessa data já tinha sido ampliada. Havia até um arruado na frente da mesma. Não havia sequer resquício do pequenino oráculo de antes. Um pequena igrejinha com um sino pendurado num cavalete badalava todas as tardes chamando o povo para a reza. Em domingos vinham gentes do Rio Acima, Campo Largo, Laranja Azeda, Sertãozinho e do campo dos Ayres, principalmente os negros. Estes ouviam as orações do lado de fora da capela. Já havia uma efervescência de gente que promovia bailes em leilões ao som de uma concertina. Montaram até um alambique providencial para alegrar aquela gente sem nome e sem passado, mas de mãos calejadas na construção da história de um lugar onde todos vivessem com igualdade. Entretanto, em 1839 já se sabia de um parentesco distante com um tal Luiz Ferreira Maciel Pinheiro, grande poeta e advogado, contemporâneo de Castro Alves e Ruy Barbosa. O pesquisador de línguas antigas, Inácio Maciel garante que na formação dessa frase está a junção das palavras “Mishna”-repetição oral (reza) El (Deus)- Orações a Deus transliterado com o passar do tempo em mashciel e depois Maciel. Em Portugal, segundo nota de diversos autores e pesquisadores era como se chamava os vendedores de maçã: Maciel, outros acreditam terem transliterado esse nome para fugirem da perseguição. OS MACIEL E OS CARRIEL Os Maciel que por ali chegaram era gente antiga de Portugal, embora alguns divirjam sobre a origem francesa ou italiana por conta de um tal Gonçalo Anes Maciel . Diziam entretanto que o embrião daquele povo, tratava-se de família de origem italiana. Na freguesia de Darque, Concelho de Viana do Castelo, havia espaço antigo, pertencente à Casa de Bragança, o qual era tradição dizer ter sido o Solar dos Maciéis, construído ao ajudar D.Afonso Henriques na conquista do Reino aos Mouros. Querem também que os Maciéis fossem dos primeiros povoadores da vila de Viana e que lhes pertencesse a alcaidaria de Vila Nova de Cerveira, mas como sua genealogia só muito tarde foi conhecida não é provável que tivessem a antiguidade atribuída, nem talvez provenham do país que lhes dá berço. Outros alegam que Maciel é de origem cigana. Entretanto, em 1839 já se sabia de um tal Luiz Ferreira Maciel Pinheiro, grande poeta e advogado, contemporâneo de Castro Alves e Ruy Barbosa, mas o pesquisador de línguas antigas, Inácio Maciel garante que na formação dessa frase está a junção das palavras “Mishna”-repetição oral (reza) El (Deus)- Orações a Deus transliterado com o passar do tempo em mashciel e depois Maciel. Em Portugal, segundo nota de diversos pesquisadores era como se chamava os vendedores de maçã e acrescentam terem transliterado esse nome para fugirem da perseguição. Ao que consta quando os Pinheiro e os Garcia chegaram na terra os Maciel já cultivavam suas lavoura há tempos. Alguns diziam ter eles vindo supostamente do Sul, oriundos de um tal Baltazare e Melchior Maciel, provavelmente da província de Darque na Argentina. A ascendência e descendência Maciel e muito vasta, a qual daria um livro inteiro sobre as ramificações dos seus familiares. Segundo alguns pesquisadores, Carriel é um nome britânico, oriundo de “Carrie” – o mesmo que mulher sensível, pessoa charmosa, amável e expressiva, muito criativa e um tanto curiosa. Fala-se também de uma senhora chamada Hanna Carriel de Knox em 1762, entretanto e diversos historiadores a identifica como uma genuína família portuguesa. Os que estavam nas matas da Lavrinha eram chamados de bolsa de couro, significado da palavra carriel na Espanha, palavra de origem mourisca. Outros atribuem à estes a descendência de um tribuno de Itapetininga de nome Silveira Carriel. OS CAMINHOS DE SÃO TOMÉ- Pebirus e Peabins Os peabiru (na língua tupi, “pe” – caminho; “abiru” - gramado amassado) eram caminhos, utilizados pelos indígenas sul-americanos desde muito antes do descobrimento pelos europeus, ligando o litoral ao interior do continente. A designação Caminho do Peabiru foi empregada pela primeira vez pelo jesuíta Pedro Lozano em sua obra “História da Conquista do Paraguai, Rio da Prata e Tucumán”, no início do século XVIII. O principal destes caminhos, denominado como Caminho do Peabiru, constituía-se em uma via que ligava os Andes ao Oceano Atlântico, mais precisamente Cusco, no Peru, ao litoral na altura da Capitania de São Vicente estendendo-se por cerca de três mil quilômetros, atravessando os territórios do Peru, Bolívia, Paraguai e Brasil. Pesquisas iniciadas no século XIX pelo Barão de Capanema levaram à formulação da hipótese do caminho ter sido criado pelos incas numa tentativa de trazer a sua cultura até os povos da costa do Oceano Atlântico, abrindo a estrada no sentido oeste-leste, portanto. Como apoio a essa linha refere-se o testemunho de mais de um cronista de que os incas chamavam seu território de Biru. Desse modo, a denominação do caminho poderia resultar do híbrido pe-biru, que equivaleria a “caminho para o Biru”. Embora não existam informações acerca da razão pela qual o projeto inca não foi levado a cabo. Entre as evidências de sua presença em território brasileiro, cita-se o correio dos guaranis. Pesquisadores e historiadores recentes falam com convicção da existência de uma trilha indígena do período pré-descobrimento que ligava o Sul do Peru ao litoral paulista com o nome de Peabiru, caminho grande tal como uma estrada principal. Há fortes indícios de que um dos tantos peaberus que subiam do litoral para o planalto teve um se seus ramais passando pela região de Nossa Senhora da Conceição do Capão Bonito de Paranapanema.Estudos revelam que os índios não se fixavam num lugar, principalmente os guaranis de natureza nômade. Apenas transitavam pela região em determinadas épocas do ano. Já foram encontrados vários objetos indígenas, como pontas de flechas lapidadas em pedra, demonstrando que eles caçavam muito nas regiões onde hoje estão localizados os parques Estaduais Carlos Botelho e Intervales.Isto reforça a tese de que ali era a Rota do Peaberu de Cananéia. Ao lado do peaberu. havia os peabins, caminhos secundários usados pelos índios Guaranis para caçar e ligar-se as diversas aldeias. De acordo com alguns estudos, essas estradas principais eram para procurar o que chamavam de “Terra sem Males”. Um lugar paradisíaco que imaginavam existir ao leste. Com a chegada dos europeus, o caminho foi utilizado para se penetrar no território sul-americano. Muitos historiadores afirmam que o Peaberu- (caminho da montanha do sol) passava pelas nascentes do rio Paranapanema e seguiam até o Peru. Outro peaberu seguia à direita em busca do Morro de Ipanema em Campo Largo, onde, segundo alguns estudiosos os guaranis se encontravam com os Incas num ritual sagrado de união entre os irmãos do Pacífico com os da margem do Atlântico. Outros pesquisadores afirmam que os índios do Pacífico vinham até o Morro de Ipanema em busca de minérios de ferro. O Campo Largo aqui descrito não se trata do mesmo lugar mencionado no início deste trabalho. Campo Largo era o antigo nome de Araçoiaba da Serra, onde se localiza o Morro de Ipanema, patrimônio histórico hoje pertencente ao município de Iperó. Quando o Sudoeste Paulista ainda não havia sido palmilhado pelo homem branco, os naturais da terra já o atravessavam com muita freqüência, pois o território era cortado nesses famosos peaberus, também conhecido como o Caminho de São Tomé (Tsumé- na língua tupi-guarani). Peabiru, era a rota indígena tal qual, uma via transcontinental que nascia no litoral paulista. Outra vertente vinha ao Planalto Paulista e também levava para o Sul, atravessando o Sudoeste Paulista seguindo, mais ou menos, a rota depois onde estão os trilhos da antiga Estrada de Ferro Sorocabana. A ramificação que demandava de Cananéia, atingia a região tratada neste trabalho. Restam ainda, em pontos isolados de mata e em algumas localidades, reminiscências desse caminho, que se caracterizava por apresentar cerca de 1,40 metro de largura e leito com rebaixamento médio em relação ao nível do solo de cerca de 40 centímetros, recoberto por uma gramínea denominada puxa-tripa. Nos seus trechos mais difíceis, o caminho chegava a ser pavimentado com pedras. Em outros trechos era sinalizado. Na década de 1970, uma equipe coordenada pelo professor Igor Chmyz, mestra das inscrições rupestres, mapas e símbolos astronômicos de origem indígena, avaliou a veracidade desses caminhos chamados de zumé pelos caiçaras. A Universidade Federal do Paraná, identificou cerca de trinta quilômetros remanescentes da trilha na área rural de Campina da Lagoa, no Estado do Paraná. Ao longo desse trecho, foram ainda identificados sítios arqueológicos com vestígios das habitações utilizadas, provavelmente, quando os indígenas estavam em transito. *** O velho Carriel tapou com a mão a agressão do sol nos seus olhos e observou os filhos capinando logo mais adiante. Junto com eles o povo dos Pinheiro e dos Garcia que fincaram a vida ali naquelas terras.Todos tinham pressa na carpa, na esperança que o tempo virasse. Era estiagem e por isso o verde agonizava sufocado num marrom acinzentado de fumaça. Os seus agregados, os filhos, as crias da casa e as mulheres se acomodavam à mesma sombra desatando a matula de virado seco. Um negrinho de canela fina aproximou-se, pediu-lhe bênção e falou: “São Cristo, padrinho”. E deu a triste noticia. Pinheiro e Garcia haviam se matado num rancho que montaram para o plantio de um roçado no caminho do Pinhal. Aquelas terras, até o alcance da vista de um homem era terra de ninguém.Há umas duas léguas, dali, nem isso de tanto, os Pinheiro e os Garcia se acomodaram truncando a viagem e do jeito que semearam o milho para uma lavoura pequena. Só que enquanto um plantava, vinha outro e colhia. Uma vez aconteceu de uma das cria da casa deparar com um cargueiro roubado. Ela só teve tempo de dar uma paulada na cabeça da mula para segurar o ladrão. O sangue foi esquentando pelo com o passar do tempo de convivência. Famílias inteiras reclusas naquele paiol, feito uma casa improvisada foram se desentendendo. Numa noite de geada resolveram se esquentar na cachaça de cabeça. O povo já estava embriagado, quando um deles chutou uma cachorra e a discussão começou. O mais valente se levantou e disse, puxando a lapiana: “Galego do zóio branco fio d’ua égua. Porque chutá minha cadela? O outro revidou: “Porque yo soy hombre. Yo mato su perra, hijo de puta”. A viola parou de repente, quando uma das mulheres interpelou: “Pelo amor de Deus, parem com isso. Não vão brigar por causa de uma cachorra? O provocador arrematou: “Eu sou Pinheiro. E Pinheiro não mata por causa de cachorra, mata porque não engole desaforo”. E cuspiu para o lado de forma desafiadora. Seu desafeto sacou de uma garrucha e mirou na cabeça da cadela. Nesse átimo, uma das mulheres sem querer chegou para tirara a cachorra dali, não escapou do tiro e morreu no lugar abraçada à cachorra. Aí começou a guerra. Foi uma carnificina jamais vista. Morreram homens, mulheres e crianças. Depois do acontecido, os que escaparam da desavença voltaram para o sertãozinho. Lá no meio do mato, na beira da estrada dos tropeiros, o peabim dos bugres, eles enterraram os corpos e fincaram as cruzes. O lugar ficou conhecido como a cruz dos Garcia. Tropeiros cruzando aquele vão de mato diziam que escutavam em noite de lua, gemido e choro de criança. Eram os inocentes mortos sem batismo. Alma de pagão. A SANTA CRUZ DOS MATOS Após o Sismo de Lisboa de 1755, percebendo no episódio uma oportunidade para reforma os costumes e a moral, o padre jesuíta Gabriel Malagrida escreveu um opúsculo sobre moral, do qual ofereceu exemplares a José I de Portugal e ao marquês de Pombal. Este último, entretanto, entendeu a oferta e as exortações moralistas do religioso como uma insinuação acusatória e desterrou o religioso para Setúbal. Pouco tempo depois, Pombal acusou os jesuítas de instigarem os motins contra a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (Porto, 1757). Queria extinguir as missões no Brasil, dizendo libertar os indígenas das mãos dos padres, agora sujeitos ao Estado. Os jesuítas, ao tentar explicar a situação em que ficavam no Brasil, foram também expulsos da Corte. Nesta mesma época, Pombal inicia a sua campanha anti-jesuítica, acusando em Roma os padres da Companhia de Jesus de praticarem comércio ilegal no Brasil e de incitarem as populações contra o governo. Averiguando a situação relatada pelo Ministro Português, a Santa Sé recebeu informações - manipuladas por ele – sobre a veracidade das acusações feitas à Companhia de Jesus. Como resultado, os jesuítas foram suspensos de confessar e pregar em Lisboa, e o informador, o Cardeal Saldanha, foi recompensado com a cadeira patriarcal no ano seguinte (1758). Pombal tinha um medo terrível do Brasil se tornar espanhol. O episódio mais grave, ficou conhecido como “a botada dos padres fora” que durou muitos anos. Somente algum tempo depois houve um termo assinado pelos oficiais da Câmara de São Paulo, homens bons e padres da Companhia pelo qual foram os direitos restituídos aos seus colégios. Foi importante o papel do Padre João Leite da Silva, celebrado por suas virtudes, instrução, letras e zelo apostólico. Eram freqüentes, aliás, dissídios entre as autoridades do Reino e as eclesiásticas. O Marquês realizou a conhecida “Reforma Pombalina” que tinha como intenção transformar Portugal numa metrópole capitalista, assim como outros países europeus já capitalizados. A escravidão dos índios foi extinta e eles até poderiam se casar com mulheres portuguesas. A idéia de Pombal ao permitir isso, era a de que os índios se miscigenassem, houvesse um crescimento populacional e então o Estado contasse com mais força nas fronteiras do interior. Quando os índios passaram a ser livres, isso chocou-se contra os jesuítas, que não deixavam que a autoridade real interferisse nos assuntos deles. Marquês de Pombal que queria realizar uma reforma e aproveitar para centralizar o poder expulsou os 670 jesuítas que aqui moravam e mandou fechar os colégios. Eles foram acusados de traição. O Padre Gabriel Malagrida foi queimado em praça pública e o restante embarcou para Lisboa aonde foram presos. Outros padres se puseram em fuga pelas matas sem saberem qual destino seguir. Provavelmente foi quando alguns religiosos da Companhia tomaram o rumo do Peabiru de Cananéia em direção ao planalto até então tido como inóspito, levando num carro de boi dois sinos de ouro e uma cruz de madeira maciça de cedro a qual seria erguida junto do altar na celebração do oficio religioso ao ar livre para participação dos índios. Quando rei de Portugal D. José I morreu e foi substituído por D. Maria I, Pombal foi condenado. Só não foi executado devido a sua idade avançada, pois já contava com 78 anos. A supressão à Companhia de Jesus durou de 1760 até 1843. Ali no sertãozinho dos Carriel a vida continuava sendo vivida sem muitas surpresas, salvo a tragédia acontecida entre os parentes. Era só de que se teve notícia. Decidiram roçar uma quadra de mata virgem para aproveitar a terra nova, livre de praga para o plantio do algodão. Foices e facões brandiram rompendo cipós e lianas, quando de repente depararam com aquele imponente cruzeiro verde de musgo, incrustado na mata envolvido por liquens e ramagens. A primeira reação dos homens foi ajoelhar-se e tirar o chapéu diante do madeiro santo, antes da mente buscar explicação razoável de como aquela cruz havia sido fincada naquele pedaço de mata virgem. E por que mão misteriosa teria sido trazida até ali? Por mais que buscassem entendimento, a mente não lhe dava resposta. Nem eles, portugueses e espanhois, na maioria gente iletrada eram perspicazes para perceber que aquele cruzeiro, estava chantado à margem de um peaberu que o mato cobriu. A cruz estava à margem de uma parte do caminho de São Tomé que terminava no alto do morro de Ipanema, bem no lugar onde o sol faz a morada. As mulheres puseram-se a rezar aos pés da cruz e a acender-lhe candeias para afastar tempestades. Não tardou para que a vizinhança da redondeza ficasse sabendo do achado milagroso: a santa cruz dos matos dos Carriel, Ou a santa cruz dos matos do sertãozinho. A noticia do achado foi levada pelos tropeiros, desde a Fazenda Velha até as barrancas do rio Itapetininga. O sertãozinho era desprovido de tudo. Meia dúzia de casinhas de pau à pique cobertas de sapé, um paiol e um chiqueiro com porcos na engorda. A cruz permanecia fincada no terreiro depois de ter sido retirada do mato. Nos domingos um deles se arvorava de capelão e recitava custosas ladainhas com o responsório do povo, até que chegaram à conclusão de que aquela cruz, que por milagre havia aparecido por ali não merecia ficar ao relento, à mercê do tempo, apesar de consistir-se de um cerne de cedro capaz de resistir por séculos as intempéries. Sabe-se lá quantos anos aquela cruz estava encravada naqueles ermos, próximo à cabeceira do rio de São Roque da Lavrinha, onde os bateadores da pequena lavra, pessoas capazes de sentir uma faísca do brilho do ouro, eram incapazes de ver a luz da fé que resplandecia daquele cruzeiro no meio do mato. Não tardou para que uma reunião fosse feita para decidirem o que fazer com aquele monumento do povo cristão.Eram gentes simples, cujos pais e avós tinham sidos banidos do pais de origem sob o peso da culpa de ter assassinado um judeu que morreu numa cruz. Não havia naquela gente nem sequer um resquício do que fosse judaísmo, salvo algumas coisas que faziam mecanicamente que revelavam suas origens semitas. As mulheres, por exemplo: não varriam a casa da sala para fora (porque o judeu pendura no vão da porta as Tábua da Lei, e o que é impuro não pode passar por ela), o hábito de colocar uma moeda na rede do defunto (o judeu autêntico colocava na boca do morto para ele pagar o pedágio do céu), acender uma vela no quarto da parturiente, porque acriança antes de ser batizada (ou circuncidada) não pode ficar no escuro; acender uma vela no oratório aos sábados para esta queimar até o fim do dia- um sistema judaico que o cristianismo adotou; aos sábados era dia de vestir roupa lavada; a atenção especial e pousada aos viajantes oferecendo-lhe uma bacia de água morna para (purificar-se)lavar os pés; apesar da abundância de peixe nos nossos rios, este nunca constitui-se base de alimento para o brasileiro; passar a mão na cabeça das pessoas é similar a bênção judaica; jurar pelo eterno descanso de um morto querido (por exemplo: juro pela alma do meu pai); “Deus te crie”-quando a criança espirra é a forma abrasileirada da frase hebraica Havim Tuvim (que quer dizer fique adulto logo); passar mel na boca de criança, hábito feito pelo rabino na circuncisão de onde veio a expressão: “passar mel na boca de fulano”; massada, para explicar uma tragédia lembra a batalha de Massada no ano 70 dC.; o hábito de lavar os mortos; jogar um pouco de cachaça “para o santo, lembra o rito hebraico milenar da festa da páscoa quando se jogava um pouco de vinho para Elias, lembrando o Messias que virá; jogar um punhado de terra quando o caixão desce à sepultura para lembrar que o homem foi feito do pó e ao pó voltou; fazer mesuras, reverências (da palavra hebraica mezuzah, aos escritos da misná que é colocado na porta para as pessoas fazerem reverência); Sizah-quando vai pagar imposto (pagar a sisa) entre tantos feitos displicente que para uma pessoa atenta revelavam as suas origens. Aqueles marranos, judeus degredados no Sertãozinho do Carriel tinham outra cruz para carregar. Foi então que se decidiu entronizar na capela de São José da Sagrada Família, no arraial dos marianos à poucas léguas dali. Os anos voaram ligeiros e um povoado foi aumentando no entorno daquele cruzeiro, feito uma sentinela daquele povo humilde, saudoso de terras distantes. Depois das rezas domingueiras, chorava alegre a sanfona festeira. Sem dar conta, o povo foi denominando o lugar. “Vou ver a santa cruz dos matos”... “Vou à Santa Cruz dos Matos. E o lugar acabou ficando de vez Santa Cruz dos Matos, até hoje. O pessoal já havia perdido tanto o sotaque, quanto o tratamento, de senhor Joaquim, para nhô Quim. Foi adquirida pelos Pinheiro e pelos Garcia uma boa gleba que principiava no Ribeirão da Passagem, até bem próximo de onde fora antes o paiol de pólvora, no qual a violência e a desgraça escreveram uma história triste de morte praticamente entre irmãos. O coronel Joaquim Pinto de Castilho e Mello doou a área para a construção da capela, onde nasceu e floresceu Santa Cruz dos Matos para substituir a capelinha velha de São José da Sagrada Família construída pela família Mariano,os primeiros moradores bandas. Nos carros de bois e carroções de mudança, junto às tralhas de menos serventia, um pequeno vaso de flor foi levado pelas mãos de uma criança. Era uma planta sem nome. A única lembrança do começo de vida daquela gente. Essa pequenina muda passaria pela geração, como flor sem nome. De beleza exótica, não se sabe de onde veio. Do Mediterrâneo, talvez? Ou quem sabe, seja botânica da Península Ibérica. Quem sabe? Só havia uma certeza para aquele povo que crescia em volta da cruz. Cumpria à risca a profecia abrâmica de multiplicar-se por aquelas terras, como as estrelas do céu e a areia da praia... Espalhando-se ao vento, como polens humanos fecundando o chão, arraigando nele gerações vindouras até se perder a conta de quantas almas brotariam como flores à sombra da cruz.

A FAMÍLIA Assim que a cruz foi entronizada na capela de São José, uma recua de romeiros peregrinaram em busca de alívio para as dores da alma. Foi quando surgiu, vindo não se sabe de onde, um velho de barbas longas e como um profeta falava das dores e dos males apenas olhando no olho do caboclo sofredor. O seu nome um mistério. Nunca o revelou à ninguém. O povo da Santa Cruz dos Matos via naquela figura um homem santo que teria aparecido por ali com a cruz. Por não saber como chamá-lo, deram-lhe o nome de São-são. Ele passava os dias meditando sobre uma pedra de granito, contando o passado e revelando o futuro daquela gente simples. Certo dia, uma moçada travessa reunida com outra no pátio da capela decidiu por à prova o dom de adivinhação do homem. Uma moça foi pé ante-pé e colocou sob a pedra uma folha de papel e em seguida, fazendo-se de desentendida perguntou ao profeta se havia alguma coisa de diferente naquele dia. Diz-se que o velho, com os olhos fechado como se estivesse meditando, teria respondido: “Ou terra subiu ou o céu abaixou a espessura de uma folha de papel”. Nas prédicas do homem santo ele apontava para uma figueira nova no alto do morro do terreno que agora pertencia aos Garcia e indicava com o dedo, dizendo que no pé daquela árvore havia sido enterrado dois sinos de ouro e que os mesmos eram guardados por um padre que não encontrava paz para sua alma. E concluía: “É o mesmo padre que fincou a cruz no mato há muitos anos quando fugia da perseguição”. Ele deixou a cruz para traz tentando salvar o tesouro que escondeu no pé da figueira. São dois sinos fechado boca com boca recheado de pedraria e ouro em pó. Enquanto o tesouro estiver no pé da figueira sua alma não tem descanso. Os sinos precisam ser desenterrados. Assim como apareceu naquele lugar, o homem sumiu de repente sem ninguém dar conta de sua ausência. Nos dois primeiros séculos de colonização, a população do Brasil foi formada por colonos brancos, escravos negros, índios aculturados e mestiços a qual foi aumentando lentamente, a começar pela faixa litorânea. Com o desenvolvimento da mineração de ouro e diamante, a partir do século XVIII, a população se expandiu pelo interior, nas regiões de agricultura e pecuária. Baseada na agricultura voltada para o comércio externo, do qual já foi citada a plantação de trigo pelo tenente Urias Emygdio Nogueira de Barros e pelo Coronel Joaquim Pinto de Castilho e Mello nas grandes propriedades que estes possuíam próximo à Vila de Nossa Senhora dos Prazeres de Itapetininga, era utilizado o trabalho do negro escravo, assim como no Campo dos Ayres, uma grande fazenda típica da sociedade colonial agrária, escravista e patriarcal, dirigida pelo tino comercial de Manoel Paulino Ayres e de sua esposa Maria do Rosário Ayres. Estes, pela fé cristã e devoção, tratavam os escravos com brandura, tanto que dedicaram seus negros à São Martinho, incluindo o Ayres no sobrenome, gerando a enorme clã dos Martinho Ayres, negros suras os quais se multiplicaram na fazenda desde os tempos da “Mãe do Céu”. Pouco antes da Lei Áurea, eles ganharam de Paulino Ayres, o “Nhô Moço”, datas de terra pelos anos trabalhados e dedicados àquela família tradicional. As terras dos Martinho Ayres se estendiam dos arredores de Santa Cruz dos Matos além do bairro do Vatinga. Em quase toda colônia, era em torno de grande propriedade rural que se desenvolvia a vida econômica e social. Os povoados como Santa Cruz dos Matos e as vilas, como Fazenda Velha de São Miguel Arcanjo tiveram papel secundário, limitado a funções administrativas e religiosas. Somente a vila de Nossa Senhora dos Prazeres vicejou desde quando o bandeirante Domingos José Vieira, e Salvador de Oliveira Lima, o Sarutayá propiciaram o desenvolvimento do lugar, inclusive se expandindo na esteira do tropeirismo. Quando se descobriu pasto vasto, terra fértil e a distância de doze léguas das feiras de muares de Sorocaba aquele povoado se desenvolveu, a sociedade urbana floresceu mantendo entretanto algumas características tradicionais, como os escravos doméstico ou de ganho e características novas, como o maior número de funcionários, comerciantes, pequenos proprietários, artesãos, celeiros e homens livres pobres. Salvo a casa do sertanista e minerador tenente Urias Emygdio de Barros à margem do ribeirão do Lageado e o solar dos Ayres, não há registro de nenhuma Casa-Grande pela redondeza. Provavelmente porque não havia sede de grandes fazendas, muito menos engenho, que era o maior símbolo do poderio absoluto dos senhores de terras. O ritmo das famílias que se aglomeraram no entorno da capela do bairro de Santa Cruz dos Matos eram como se fosse de moradores de casa-grande. Eram famílias numerosas: muitos filhos, tanto legítimos como ilegítimos, parentes, agregados, escravos e libertos. Todos respeitavam a autoridade doméstica e pública do senhor, ao mesmo tempo pai, patriarca e chefe de família. Essa sempre foi a estrutura familiar das regiões da monocultura tropical, escravista e exploradora. Havia exceção à regra, como a convivência da chamada família nuclear, bem menor, formada quase sempre pelo casal e por poucos filhos. Típica das regiões de produção pouco importante. Os Pinheiro de Santa Cruz dos Matos são da época da transição ocorrida entre 1700 até 1850, conforme já descrito no início deste trabalho. Fixaram à margem esquerda do Rio Itapetininga na rota de um peabim ou peabiru em data que se perdeu no tempo, provavelmente entre 1836 e 1841 conforme o arquivo 1042 do 12° Quarteirão do Estado de São Paulo liderados por tal de Pedro Alfonso Pinheiro de vasta prole, descendente de tal Manoel Pinheiro da região do Minho, o qual teria facilitado passagem de navio. Ao embarque, Manoel Pinheiro e seu filho Joaquim Leme Pinheiro perceberam que teriam de pagar a comida com trabalho duro e pesado na embarcação. Era um navio clandestino, sem bandeira e se possível fosse, não hesitariam e fariam pilhagem em alto mar numa verdadeira pirataria. Como o Brasil precisava de mãos de obras para a lavoura, foram seguindo o caminho das tropas até onde se fixaram. Tempos depois, com o falecimento dos pais, João e seus irmãos seguiram em direção ao Sertãozinho e dali Pedro, Felício, José e Leonel tomaram rumos diferentes. Uma das irmãs se casou com José Carriel e Maria José, permaneceu solteira. Após a transladação da cruz, João, Isidoro, Salvador e Delfino se estabeleceram em Santa Cruz dos Matos nas terras que adquiriram próximo à um lugar denominado Capoavinha. João Leme Pinheiro casou-se com Brandina Maria, filha de José Antonio da Costa e Maria Placidina em 1875 e tiveram os filhos: Ana, em 1877 (natimorta); Maria em 1878 (natimorta); outra Maria, nascida em 1880. Veio ainda Esterlina, em 1883 (natimorta). A partir de então decidiram não ter mais filho, dando-se o casal por contente com a filha Maria. Vinte anos depois que Maria nasceu, em 30 de novembro de 1903 nasceu Izaltino, único filho homem do casal porque em 8 de agosto de 1904, veio ao mundo Durvalina, a última filha de João Leme Pinheiro e Brandina. O bairro de Santa Cruz vicejava nesse tempo. Já moravam por ali os Nunes, os Buenos, os Almeida, os Alves, os Soares, os Maria, os Parrilha e os Garcia que se agregaram aos Pinheiro na margem do Rio Itapetininga e posteriormente no Serãozinho dos Carriel. Germano adquiriu suas terras próximas do arraial e a cercou com valos como faziam todos por ali. Germano se casou com Cândida Maria, filha de Joaquim Leme Pinheiro e irmã de João Leme Pinheiro. Dessa união nasceram os filhos: José, Pedro, João, Virgilina, e Idalina. João Garcia casou-se com Laurinda Machado, filha de Manoel Machado e Aparícia do Espírito Santo e teve os filhos: Lucrécio, Etelvina, Rosalina, Leontina e José. Este nasceu após a morte do pai. João Garcia morreu jovem, com idade entre 39 para 40 anos vitima de febre tifóide. Etelvina foi desposada por Izaltino, filho de João Leme Pinheiro, confirmando a endogamia comum entre os portugueses e espanhóis que se fixaram nas zonas rurais do Brasil, principalmente no Estado de São Paulo. Dessa união nasceram Miguel, Maria Aparecida, Iracy, Ary, Maria Elena, João Batista e Orlando, este que escreve este pequeno histórico familiar.
FIM

BIBLIOGRAFIA Da Fazenda Velha à São Miguel Arcanjo, Manoel Valente Barbas – Edit.Rumograf Abradjin-Associação Brasileira dos Judeus da Inquisição Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, Itapetininga e sua História- Antonio Galvão Júnior Editora Gráfica Biblos- Cananéia,o primeiro povoado do Brasil, Ídolo de Carvalho -Editora Neograf. Ciclo do Ouro e Tropeirismo Geraldo Bonadio Edit. Fundação Ubaldino do Amaral

Postado por Rápidas de São Miguel Arcanjo