QUEM FOI TICO MEDEIROS?
Corria o ano de 1.908.
Ainda não havia sido criado o Biotônico Fontoura.
Bem num dia 02 de novembro, quando todos relembravam com tristeza os seus mortos, é que Domingos Nogueira de Medeiros decidiu chegar a este mundo.
Com seu choro forte, alegrou todo aquele ambiente ruim, fazendo sorrir a Francisca Augusta Nogueira Galvão e José Vitorino de Medeiros, casal de gente muito pacífica que transmitiu ao filho querido a mesma calma, a terna paciência, a seriedade e a educação que sempre foram os maiores predicados da família. Aliás, predicados esses derivados da genética da família, pois a mãe era bisneta do Tenente Urias Emigdio Nogueira de Barros, lá de Baependi, Minas Gerais.
Pequeno e franzino, o menino foi apelidado carinhosamente de Tico. Mas nunca foi uma criança doente.
QUE TROCOU O CARGO POR UM CAVALO
Aos 20 anos começou a trabalhar de servente na “Escolas Reunidas”, situada na Rua Siqueira Campos em frente ao casarão do Nhô Bento França, ao lado do campo de futebol que hoje abriga o antigo barracão da Prefeitura.
Lá permaneceu por alguns anos, desistindo do cargo em troca de um cavalo.
Quem era o dono do cavalo?
Luiz Cezar de Noronha, que esteve até o fim da vida trabalhando como funcionário escolar.
LEITOR
Nosso biografado lia muito e possuía diversos livros. No ano de 1.931, no jornal “O Progresso”, lá se via notícia da doação de alguns dos seus livros para a Biblioteca Infantil da cidade. Eram: “Ciências Físicas e Naturais”, de V. Martel; “Meu Samburá”, de Cornélio Pires e “Céus, Terra e Mar”, de Alberto de Oliveira.
A REVOLUÇÃO
Durante a Revolução Constitucionalista de 1.932, Domingos foi defender São Paulo contra os gaúchos de Getúlio Vargas. Nas trincheiras próximas ao Rio das Almas, acabou sendo ferido à bala. Graças a Deus que o estilhaço lhe entrou e saiu pelo braço, sem maiores consequências. Bastaram alguns dias de curativo e paciência.
Foi aí que lhe veio a maior inspiração da sua vida. E que até já tentaram lhe roubar o mérito. Era sobre o anjo São Miguel que fez com que a guerra terminasse do jeito que terminou, sem nenhum derramamento de sangue em São Miguel Arcanjo.
Tão logo terminada a Guerra, casou-se com Maria Augusta Sotho e foram residir no Bairro do Alegre, hoje pertencente a Pilar do Sul. Porém a vida no mato não era para ele.
Voltou à cidade.
Não podendo ficar sem trabalhar, foi falar com o deputado Gualberto Moreira. Este lhe ofereceu de novo o serviço de Servente, só que em uma escola de Sorocaba. Sete anos depois, fez troca com João Gatto e voltou para São Miguel, trabalhando na Escola Estadual “José Gomide de Castro”, ao lado dos colegas Luiz Cezar de Noronha e Elza Loureiro de Camargo, nora do Major Luiz Válio.
Na Escola, atuava como verdadeiro quebra galho, pois entendia de tudo, desde varrer o pátio, consertar uma bola, apontar lápis, reparar velhos encanamentos e refazer instalações elétricas.
Mas deixou seu nome ligado, principalmente a duas coisas: a um sino e à forma com que apontava lápis quando se solicitava sua ajuda.
O sino, tocado com seu coração, avisava aos estudantes sobre a hora de arrumar a fila para entrar na classe ou sair para o recreio, de silenciar ou de dispersar, de dizer adeus e ir para casa.
Apontar lápis? Era com maestria que ele fazia!
Domingos foi Presidente da Congregação Mariana por duas vezes. Durante cinco anos tomou parte da Diretoria da Corporação Musical Sãomiguelense.
Foi Domingos Medeiros quem fez pela primeira vez a festa de Santo Antonio em São Miguel Arcanjo no terreiro do mercado velho, no imóvel onde se estabeleceu a primeira Creche da cidade.
Braz Alves Munhoz continuou por algum tempo fazendo a festa em seu lugar, após a sua morte.
Dos filhos, o único que aqui permaneceu foi Eney, o popular Ney da Banca Central, casado com Maria (artesã e artista plástica) e que são os pais da Regina e do Renato.
Os outros: Elizabete, Edgar, Antonio, Maria Aparecida, Renê Augusta e Sônia Maria são cidadãos sorocabanos e itapetininganos. A filha Norma Tereza faleceu ainda criança.
Quando “Seu Tico” deixou esta vida, aos 17 de novembro de 1.971, a Banda Lira da cidade acompanhou seu féretro.
A Lei Municipal número 948, de 22 de abril de 1.980, isentou de IPTU a todos os ex- combatentes da Revolução Constitucionalista de 1.932 que fossem possuidores de imóvel construído localizado na zona urbana do município utilizado para sua própria residência.
Mas ele já não estava mais necessitando desse benefício.
Ao contrário de Roque Mariano Ribeiro, que possui um logradouro com seu nome, no Jardim Nova Bela Vista, Domingos Nogueira de Medeiros ainda não foi homenageado.
O “CAUSO” QUE O TICO INVENTOU
O “causo” que o Tico Medeiros inventou era endossado completamente pelo João Cornélio, um ativo participante e defensor dos paulistas na Revolução Constitucionalista de 9 de julho de 1.932.
João Cornélio fora encarregado da Limpeza Pública ao tempo de Nestor Fogaça e teve José Orlando Nunes como um dos seus auxiliares mais competentes.
Roque Mariano Ribeiro fez publicar a estória no seu jornal “Folha de São Miguel Arcanjo”. Assim: - “Nos últimos dias da referida revolução, os gaúchos, vitoriosos, já viajando de volta para a capital paulista depois da tomada do Rio das Almas, no município de Capão Bonito, aproximaram-se de São Miguel Arcanjo.
Foi então que um milagre aconteceu.
Sem tempo para uma total evacuação da cidade, populares ficaram à mercê dos vencedores que tinham, como todo inimigo, a fama de péssimas personalidades.
A Companhia gaúcha, ao atingir a colina onde se situavam as fazendas do Major Luiz Válio fez menção de acionar os canhões sobre a cidade, não respeitando o fim da guerra.
Então, surgiu um soldado de trajes e guarnições douradas e de porte magnífico que, pondo-se a sua frente, apenas com um gesto da espada, acabou impedindo suas demoníacas intenções.
A arma do estranho soldado faiscava ameaçadora, estarrecendo os soldados que, paralisados pela visão magnífica, não puderam mover um só dedo contra o lugarejo.
Nesse momento, ameaçou chuva.
Ventos terríveis tornavam impossível divisar as saídas da Vila.
Os gaúchos, cuidadosamente, foram seguindo em direção ao centro em busca de um lugar para se protegerem.
Na falta de outro alojamento, procuraram pela frágil capelinha do lugar.
Uma vez sentados ao chão, constataram, estupefatos, que o soldado que os afrontara de espada em punho estava ali à frente deles, com a espada em riste.
Era o mesmo protetor da Vila, o Arcanjo São Miguel.
Também no jornal o amigo Roque Mariano Ribeiro deixou uma última e sentida homenagem a Tico Medeiros na edição de 27 de novembro de 1.971:
“Vida... Morte!
Deus sabe o que faz, mas a saudade não sabe.
Tico Medeiros, nosso velho amigo Domingos dos Santos Medeiros passou por nós.
Veio, conviveu, fez amizade, sorriu, sofreu... E passou.
No dia 17 ele passou desta vida para a eternidade.
Não morreu.
Sua memória ficará conosco, será saudade nesta geração.
Quem não foi aluno sob seus cuidados no Grupo Escolar “José Gomide de Castro”?
Quem não se lembra das vezes que ele apontou os nossos lápis, porque éramos pequenos demais para o fazer?
Quem não o teve por guarda nos folguedos infantis do recreio?
Quem não recebeu de sua mão uma classe limpa?
Tico Medeiros viveu conosco todos os dias de nossa escola. E, quando adultos voltamos ao velho Grupo para lecionar onde outrora fomos alunos, lá estava ele, solícito e aguardando pacientemente sua aposentadoria.
Deus o aposentou com uma pensão vitalícia espiritual lá no Céu... Levou-o varrer classes aos anjinhos que ainda vão à escola de Santidade sob o olhar bondoso do Mestre dos Mestres.
Choramos. Rezamos.
Não há confortar a tristeza que dá a falta de um grande amigo. Este jornal perdeu o entusiasta colaborador da coluna “São Miguel Arcanjo, Uma Realidade, Uma esperança”. Os mentores perderam um grande amigo. Por isso fazemos esta homenagem singela.
Queremos gravar nestas páginas modestas aquele que desde muito antes da ideia deste jornal já colaborava com ele. Quando o velho Tico, o Nhô Tico dos mais velhos, assistia-nos na escola, ele já estava colaborando com este jornal que viríamos escrever.
Portanto, lá donde está, velho amigo, sinta que nós o estimamos.
Um dia teremos de estar lá e diremos:
- “Velho Tico, mas como você deixou saudade"!
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